Brasil colonial - A chegada da "corte flutuante"

*CHEGADA DA CORTE
A chegada da corte portuguesa ao Brasil não foi em nada agradável, tanto para os nobres portugueses quanto para os colonos brasileiros, a situação foi de estranhamento, de total irreconhecimento.
Para a corte, o Rio era um local indigno do estabelecimento dos nobres, cortados por vielas, sujo, com doenças e esgoto à ceu aberto, a capital da colônia não 'chegaria aos pés' de Paris ou Lisboa.
Para os colonos, a corte não representava a realidade da colônia, era autoritária (diversas pessoas foram desalocadas de suas próprias casas para que nelas morassem membros da corte, sem sequer lhes dar outro local para morar) e arrogante.
Apesar de tal estranhamento, a corte se estabelece, com Dom João VI logo tomando as primeiras decisões como rei assim que é coroado, tirando a coroa de sua mãe, Dona Maria I, conhecida como 'a louca'.
*A ABERTURA DOS PORTOS E OUTRAS MEDIDAS
Os ingleses não haviam auxiliado Portugal nem sua corte sem nenhum interesse, e Dom João sabia disso, o que o fez decretar logo após a sua chegada a abertura dos portos às nações amigas (possibilidade do Brasil comercializar com as nações amigas de Portugal), acabando de vez com o pacto colonial, tão odiado pela colônia e tão rejeitado pelos ingleses, que queriam aproveitar o mercado consumidor brasileiro para compensar os prejuízos causados por Napoleão com seu bloqueio continental nos cofres da Inglaterra, e permitindo concorrência aos produtos portugueses que (poucos anos antes) haviam gerado tantas revoltas nativistas no Brasil.
Para complementar a abertura dos portos, Dom João também assinou o Tratado de Aliança e Amizade e o Tratado de Comércio e Navegação.
O primeiro prometeu uma gradual abolição do tráfico de escravos (que a Inglaterra fazia questão, uma vez que desejava possuir maiores mercados consumidores na colônia) e o julgamento de ingleses no Brasil a partir das leis inglesas.
Já o segundo diminuia os impostos sobre os produtos ingleses comercializados com o Brasil (que se tornou o menor imposto de importação da colônia, sendo que até mesmo os produtos portugueses, que eram da metrópole que governava o Brasil, pagavam mais taxas para entrar em sua própria colônia do que os ingleses) para 15%, favorecendo a desenfreada entrada de produtos ingleses na colônia.
Além disso, o rei ainda revogou o alvará de sua mãe, Maria I, que proibía a manufatura no Brasil. Essa medida foi ineficaz, porque mesmo com a possibilidade de haver industrialização, os investimentos que poderiam ser feitos no momento eram baixos e a quantidade de produtos ingleses à baixo custo (graças ao Tratado de Comércio e Navegação) era muito grande, aumentando demais a concorrência que os produtos nacionais teriam que enfrentar.
Ainda em seu governo, Dom João tomou duas atitudes bem energéticas, invadiu a Guiana Francesa, existente desde a expulsão dos franceses de sua invasão ao Maranhão, como forma de revanchismo contra a França, e Também tomou a região da Cisplatina (Uruguai), área estratégica para a exploração dos minérios do rio do Prata.
*MEDIDAS CULTURAIS DE DOM JOÃO VI
Como vimos, a corte portuguesa em nada gostou do Rio de Janeiro, achando-o imundo e longe do padrão que os 'nobres representantes da coroa' mereciam.
Restou a Dom João que 'civilizasse' a capital da colônia, que passaria por transformações urbanas grandiosas para se adequar aos requintes da coroa.
Aumentando exponencialmente os impostos já existentes na colônia, criando novos e utilizando o pouco que restava do tesouro real, Dom João criou o Jardim Botânico, a Biblioteca Nacional, trouxe as Missões francesas ao Rio, permitiu a circulação e impressão de jornais (primeiramente a imprensa régia), criou a Escola de Medicina e Anatomia, a Intendência Geral de Polícia, a Escola de Belas Artes, novas estradas e meios de comunicação que uniam algumas regiões da colônia, o Banco do Brasil, repaginou o Rio e reconstruiu a paisagem urbana do Rio de Janeiro, que se assemelhava mais agora com uma metrópole do que com a antiga vila colonial.
Tais medidas foram duramente contestadas, principalmente pelas regiões do Brasil que não eram o Rio de Janeiro, afinal, seus impostos foram assustadoramente elevados para pagar coisas das quais eles próprios nunca usufruiriam?
Os impostos de todo o Brasil foram aumentados, entretanto, apenas o Rio recebeu tais melhorias, causando revolta no restante da colônia.
Além disso, até mesmo no Rio houveram discordâncias, uma vez que a estrutura social foi mantida, e poucos seriam os que iam realmente usufruir das novas estruturas, enquanto o preço das construções pesavam no bolso de todos da colônia.
A Missão francesa, entretanto, tem um importantíssimo cunho histórico, pois suas pinturas, especialmente do pintor Debret, são as principais fontes visuais que hoje temos sobre a sociedade e a paisagem do período, mostrando-nos como eram as relações sociais, os locais, a economia e as paisagens presentes na época, de insubistituível valor histórico.
Vale ressaltar que parte da população (principalmente as elites) do Rio de Janeiro começou a ter costumes similares aos da corte, a fim de mostrar seu 'prestígio social', o que gerou um certo 'intercâmbio de hábitos'.
*A ELEVAÇÃO DO BRASIL A REINO UNIDO
Após a derrota de Napoleão foi organizado o Congresso de Viena, um congresso de cunho reacionário, focado na restauração da Europa aos moldes da era pré-napoleônica.
Pelos termos do Congresso, as famílias reais que foram derrubadas por Napoleão deveriam assumir novamente seus tronos, assim como era antes deste, e isso incluía a restauração do trono português assim como era antes de sua expulsão de Portugal pelos franceses: em Lisboa.
Para contornar tal problema e manter a corte no Brasil, Dom João eleva a colônia a Reino Unido, criando o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, retirando finalmente o status de colônia do Brasil, o que permitiu que a corte portuguesa ficasse no Brasil, visto que agora o local seria só uma extensão de suas terras metropolinas.
*IMPACTOS DAS MEDIDAS DE DOM JOÃO VI
Como vimos, o período joanino foi marcado por mudanças radicais na estrutura econômica e política do Brasil, o que teve diversos impactos na época e teria reflexos no futuro da colônia a partir desse momento, como veremos a seguir:
-Abertura dos portos às nações amigas / Tratado de Comércio e Navegação : propiciou a entrada massiva de produtos ingleses ao Brasil, de modo a encher tanto o mercado consumidor que praticamente anulou a possibilidade do desenvolvimento da indútria no Brasil daquele período (pela concorrência massiva da Inglaterra). As baixíssimas taxas promoveram a entrada de produtos nunca antes vistos na colônia, representando também o fim do pacto colonial e exclusividade metropolitana, o que debilitou demais a economia de Portugal. O fim do pacto colonial também afastou dos brasileiros a noção de colônia, agora eles não eram mais tão 'colonizados', o que permitiu que fosse sentida pela primeira vez o gosto da 'liberalidade comercial inglesa', gosto esse que os colonos não iriam querer perder quando Portugal tentasse tirar deles novamente.
-Revogação do Alvará de Dona Maria I : não teve impactos efetivos, uma vez que a concorrência inglesa minou todas as possibilidades de um surgimento de indústrias nacionais, através da pesada concorrência que estas teriam que enfrentar com os produtos ingleses.
-Impostos para a urbanização do Rio : alimentaria o sentimento antilusitano que faria eclodir a Issurreição/Revolução Pernambucana.
-Missão artística francesa : deixaria importantes registros da sociedade e paisagem joanina, sendo importantíssima para o estudo do período, e impactaria na produção cultural brasileira a partir de então.
-Legalização da imprensa : embora existisse uma pesada censura durante seu surgimento, a imprensa mudaria para sempre os rumos do Brasil, tendo impacto na opinião pública durante o reinado de Dom Pedro I, Dom Pedro II, proclamação da República, governo Vargas, governo militar e em muitos outros períodos da história do nosso país, o jornal Gazeta do Rio de Janeiro, O Globo, Estado de São Paulo, o Pasquim, o Correio do Povo, Última Hora e tantos outros jornais e revistas que influenciariam o pensamento público e moldariam o Brasil atual. A imprensa impactou esses períodos de modos avassaladores.
-Elevação do Brasil a Reino Unido : Geraria revolta em Portugal, que iria eclodir na Revolução Liberal do Porto, e daria maior independência ao Brasil, dando o primeiro sentimento emancipativo aos colonos, que romperiam com Portugal quando essa certa independência estivesse em jogo.